O Romeu sempre gostou de escrever. Prefere a escrita no papel do que a escrita em teclado, ainda que, uma ou outra nunca acompanhem a velocidade do seu pensamento...
Já escreveu muitas coisas: relatórios de actividades, balanços de projectos, anameneses, relatórios de exames, postais de natal, de parabéns, de casamento, de férias, já escreveu ensaios, elaborou monografias, escreveu Moleskines inteiras e diversas, escreveu apontamentos, ideias e sonhos, escreveu nos livros já escritos os sentimentos sentidos que ali ficaram descritos, escreveu recados e listas de compras, escreveu para amantes, mulher, família e amigos, escreveu para si, escreveu bem e, claro, escreveu mal... ... ...
Mas, todos os escritos foram entregues ou vistos, ou revistos, ou pelo menos, lidos...
Há uma carta que o Romeu guarda há meses que contudo, nunca foi entregue. Não foi por mal, nem por que se tivesse arrependido ou mesmo, porque achasse que não adiantaria nada...
Permanece, ainda hoje, o mistério da causalidade da vida que fez com que não entregasse essa carta... O Romeu, julga que, possivelmente, o mundo assim girou e a carta não se entregou.
A carta era dedicada à sua última Julieta, viviam juntos há coisa de um ano mas começava na altura a tal crise do ano de "casamento" e os problemas instalavam-se comodamente na relação como o bicho da madeira quando encontra bom pau do Brasil para deleitar o seu refinado apetite.
A relação tinha tido um começo difícil e turbulento, minado logo desde o inicio, por uma ex-relação desastrosa por parte do Romeu -mea culpa- e por uma questão de idades por parte da Julieta e dos amigos desta que achavam o Romeu, mais um "açambarcador" que queria tirar partido da inocente Julieta -non mea culpa.
Incrivelmente, e muito sinceramente, ao contrário da previsão de Romeu, os problemas tinham sido, um a um, obliterados da relação. Ou assim, pensava Romeu.
Romeu, não pode, ainda hoje, saber o que se passava na cabeça de Julieta ou quais seriam os seus verdadeiros sentimentos, por isso, não fará nenhuma consideração acerca do tema mas, conhece os seus.
Uma a uma, Romeu foi retirando as pedras do caminho da relação e, inclusive, da sua vida: deixou de se preocupar com a antiga relação, não ligava para o que as amigas de Julieta diziam de si, deixou de estar no seu palácio para fazer do palácio de Julieta sua casa, não fazia uma vida tão boémia como até ali, deixou (ainda a tempo) de beber tanto com os seus amigos boémios, passou a ouvir mais do que falar, preocupava-se com a saúde física e psicológica da sua Julieta que por vezes andava abatida e cansada, tomou como suas as dores das doenças dos familiares de Julieta... mudou... melhor, mudou e o que no inicio podia ter sido uma coisa negativa acabou por ser um prazer para Romeu.
Não compreendia porque certas pessoas tinham uma inveja desmesurada daquela relação...
E ficava mais perplexo, quando sabia das tais "manipulações de bastidores" que alguns perpetuavam para que a relação finda-se...
A verdade é que a dada altura e por muito e bom tempo, o Romeu não se preocupou com isso... pelo contrário: viajava alegremente na noção e certeza de que era com aquela Julieta que queria acabar os seus dias. Ideia que deixava alguns à "beira de um ataque de nervos" mas que, este Romeu-Almodovar acalentava e nutria: queria lá saber o que os outros pensavam.
Todo ele era luz. Toda a relação era luz. Toda a sua Julieta era luz.
Mesmo com nuvens, a miopia de Romeu, acentava de tal forma, que só via claridade.
E Julieta era MUNDO.
Gostava das tardes em que lia e Julieta se entretinha a navegar na net... navegavam portanto, em sítios diferentes mas, Romeu sempre julgou que no mesmo "mar", o tal da compreensão e fraternidade...
Soube tarde de mais que ele "navegava no mar Arábico" e a sua Julieta "navegaria no Mediterrâneo".
Não houve estreito que os ligasse.
Apenas viram o Mar Morto.
Depois disso, o Romeu ficou muitos e muitos meses sem escrever...